24.2.12

    — O meu nome é Severino,
    como não tenho outro de pia.
    Como há muitos Severinos,
    que é santo de romaria,
    deram então de me chamar
    Severino de Maria
    como há muitos Severinos
    com mães chamadas Maria,
    fiquei sendo o da Maria
    do finado Zacarias.
    Mais isso ainda diz pouco:
    há muitos na freguesia,
    por causa de um coronel
    que se chamou Zacarias
    e que foi o mais antigo
    senhor desta sesmaria.
    Como então dizer quem falo
    ora a Vossas Senhorias?
    Vejamos: é o Severino
    da Maria do Zacarias,
    lá da serra da Costela,
    limites da Paraíba.
    Mas isso ainda diz pouco:
    se ao menos mais cinco havia
    com nome de Severino
    filhos de tantas Marias
    mulheres de outros tantos,
    já finados, Zacarias,
    vivendo na mesma serra
    magra e ossuda em que eu vivia.
    Somos muitos Severinos
    iguais em tudo na vida:
    na mesma cabeça grande
    que a custo é que se equilibra,
    no mesmo ventre crescido
    sobre as mesmas pernas finas
    e iguais também porque o sangue,
    que usamos tem pouca tinta.
    E se somos Severinos
    iguais em tudo na vida,
    morremos de morte igual,
    mesma morte severina:
    que é a morte de que se morre
    de velhice antes dos trinta,
    de emboscada antes dos vinte
    de fome um pouco por dia
    (de fraqueza e de doença
    é que a morte severina
    ataca em qualquer idade,
    e até gente não nascida).
    Somos muitos Severinos
    iguais em tudo e na sina:
    a de abrandar estas pedras
    suando-se muito em cima,
    a de tentar despertar
    terra sempre mais extinta,
    a de querer arrancar
    alguns roçado da cinza.
    Mas, para que me conheçam
    melhor Vossas Senhorias
    e melhor possam seguir
    a história de minha vida,
    passo a ser o Severino
    que em vossa presença emigra.


João Cabral de Melo Neto.

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