25.10.13

Café do molhe









Perguntavas-me
(ou talvez não tenhas sido tu,
De baixo a cima revolver
mas só a ti naquele tempo eu ouvia)

Porquê a poesia e não outra coisa qualquer:
a filosofia, o futebol, alguma mulher?
Eu não sabia
que a resposta estava numa certa estrofe
de um certo poema de Frei Luis de Léon
que Poe (acho que era Poe)
conhecia de cor, em castelhano e tudo.

Porém se o soubesse
de pouco me teria então servido, ou de nada.
Porque estavas inclinada
de um modo tão perfeito sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa
que tudo o que soubesse não o saberia.

Hoje sei:
escrevo contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo.



Manuel António Pina.
Foto: Zgarcia

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