21.10.05
Eis o homem sentado � mesa
Diante da folha branca.
Um longo, longo caminho,
Da vida para a palavra.
Decanta��o, purifica��o
Para chegar ao p�ssaro.
O homem que est� � mesa
Atravessou muitos desertos
Virou do avesso a certeza
Naufragou nos mares do sul.
Entre ditongo e ditongo
Para chegar ao p�ssaro
Tu pr�prio ter�s de ser
Cada vez mais substantivo.
Ir�s de s�laba em s�laba
Ferido por sete espadas
Diante da folha branca
Ser�s fome e ser�s sede
Como o homem que est� � mesa,
O homem t�o despojado
Que a si mesmo se transforma
No p�ssaro que busca a forma.
Este � tempo do homem
perdido na multid�o
Como ser desintegrado
Na folha branca da cidade.
Tempo do homem sentado
� mesa da solid�o.
H� palavras como asas,
outras mais como ra�zes
O p�ssaro voa por dentro
Do homem sentado � mesa.
Vai de fonema em fonema
Sobre as cordas dos sentidos.
Se vires o homem que passa
Como se fosse no ar
J� sabes: � o homem que est�
Diante da folha branca.
�s vezes levanta v�o
Para outro espa�o, outro azul
E deixa dentro das s�labas
Um rastro como de sul.
Quando recordas,
Quando a tristeza
toca demais as cordas do cora��o
Quando um ritmo come�a
Dentro das palavras,
Um sapateado inconfund�vel
(Malague�a, malague�a!)
E a folha branca � uma Espanha
Para cantar, para dan�ar
Para morrer entre sol e sombra
�s cinco em sangue...
Ent�o ver�s chegar
O homem sentado � mesa
�s cinco en sombra de la tarde
Malague�a, Malague�a!
Diante da folha branca
Como por terras de Espanha.
Nos descampados deste tempo
Nos aeroportos auto-estradas
Nos an�ncios sob as pontes
Talvez no marco geod�sico
No fumo do lixo ardendo
No cheiro do alcatr�o
Nos dejectos de lata e pl�stico
Nos jornais amarrotados
Nas barracas sobre a encosta
Na estrutura de bet�o
Sobre o gas�leo e a tristeza
Sobre a grande polui��o
Onde nem folha ou erva cresce
Seco, duro, est�ril tempo
Diante da folha branca
Da solid�o suburbana
Onde a multid�o se perde
Entre tristeza e tristeza
�s vezes um cora��o:
Talvez um p�ssaro verde
Ou talvez s� a can��o
Do homem sentado � mesa
O homem que est� � mesa
Tem qualquer coisa que escapa
Qualquer coisa que o faz ser
Ausente quando presente
�s vezes como de mar
�s vezes como de sul
Um certo modo de olhar
Como atravessando as coisas
Um certo jeito de quem
Est� sempre para partir.
O homem sentado � mesa
N�o est� sentado: caminha
Navega por sobre os mares
Ou por dentro de si mesmo.
Vem de longe para longe
Do passado para agora
De agora para amanh�
Est� no avesso da hora!
Solta o p�ssaro, n�o p�ra,
Tem outro espa�o, outro azul
�s vezes como de mar
�s vezes como de azul
E n�o se tem a certeza se est� do lado de c�
Ou se est� do outro lado, deste lado onde n�o est�.
Mesmo se sentado � mesa
N�o � poss�vel det�-lo
O homem que tem um p�ssaro
� sempre um homem que passa.
Tem qualquer coisa que nem se sabe
O qu� nem de quem
� talvez um mais al�m
Algo que sobe e que voa
Entre o Aqui e o Ali
Algo que n�o se perdoa
Ao homem quando ele tem
Um p�ssaro dentro de si...
H� um tocador a tocar
As harpas de cada s�laba
Diante da folha branca
Tudo � guitarra e surpresa.
Escutai o p�ssaro e o canto
Do homem sentado � mesa!
Manuel Alegre
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